Editorial pesado: mas a linguagem é compatível com a indignação
Mais um tapa na sua cara, cidadã e cidadão. Acabamos de retroceder a
1910 quando da construção da ferrovia Madeira-Mamoré mãos de índios eram
decepadas a golpes de facão. O que era coisa do passado e foi
apresentado como cena de uma peça de ficção volta a existir na realidade
de nossos dias de desordem institucional. Desordem e Retrocesso como
nunca vistos antes na história desse país.
Créditos à reprodução do "Blog do Sakamoto" .
Por Spensy Pimentel, especial para o blog*
Ainda aguardamos os
detalhes, mas já é possível tirar algumas conclusões a partir do
episódio ocorrido em Viana (MA), em que uma aldeia do povo Gamela em
área de retomada foi covardemente atacada por um grupo de homens
armados. Segundo Inaldo Gamela, liderança que também foi alvo do ataque e
conversou conosco por telefone, pelo menos duas pessoas tiveram mãos
amputadas, e os médicos buscam agora reimplantar os membros e fazer com
que elas possam recuperar os movimentos. Outros quatro atingidos seguem
internados, e o número de feridos foi de, pelo menos, 13 pessoas. Ao site Amazônia Real, Inaldo já havia relatado ontem que eram mais de 200 pessoas os agressores e qualificou o ataque de “linchamento”.
Os agressores teriam saído de uma reunião organizada a partir de convocação feita nos meios de comunicação locais. O trecho de um debate em uma rádio maranhense,
ocorrido na sexta-feira, foi divulgado na internet pelo Conselho
Indigenista Missionário, mostrando o clima de animosidade na região
contra “essas pessoas que se passam por índios”, como os Gamela são
denominados pelo locutor. Até mesmo um deputado federal, Aluísio Mendes
(PTN-MA), participou da conversa. Ainda segundo Inaldo Gamela, circulam
informações na região de que diversos políticos estariam presentes na
reunião de domingo (30) que antecedeu o ataque, o que ainda precisa ser
apurado devidamente.
Seria bom poder cobrar uma atitude firme das
autoridades e entender que se trata de um ponto fora da curva, de uma
barbárie excepcional, resquício de antigas práticas violentas, hoje
inaceitáveis. Nada disso: excetuando-se, talvez, o detalhe macabro da
amputação das mãos, o episódio é só mais um alerta sobre a tensão que se
acumula em muitas partes do Brasil, hoje, em função de diversas opções
do atual governo.
Para agradar à base ruralista e evangélica, o
governo está criando o caos na já precária assistência aos povos
indígenas, via Funai e serviços de saúde da Sesai. Descria e cria
cargos, muda diretores, contingencia orçamentos já minguados, submete
cargos de extrema delicadeza política ao crivo de parlamentares no
Congresso, vários deles associados a grupos ávidos por usar a estrutura
do Estado para apoiar interesses, como os do proselitismo religioso. Mal
um novo nomeado começa a tomar pé da situação e assumir compromissos,
como era o caso de Antonio Costa, na Funai, já recebe a notícia de que
será demitido. Obviamente, não há como tirar outra conclusão: a intenção
é paralisar totalmente os trabalhos na área.
Um deputado
ruralista chegou a dizer, recentemente, que a próxima medida a ser
preparada pelo governo será a “reforma dos indígenas”. Pelo jeito, só se
for bem à moda das demais reformas propostas atualmente: um desmanche,
na verdade.